"Como Nossos Pais"

 




DNA.
Uma corrente de ligação. 
Uma tapeçaria molecular que narra a história da vida em um código silencioso e preciso.
Atravessando eras de existência, de geração em geração.
Recentemente reassisti uma propaganda da Volkswagen. 
Era o anúncio da nova Kombi. O comercial é praticamente um filme, traz a Maria Rita, cantora, no novo modelo do carro, e usaram a Inteligência Artificial para trazer de volta a mãe dela, já falecida, cantora gaúcha, Elis Regina. Ambas cantando "Como Nossos Pais". Uma dirigindo ao lado da outra cantarolando juntas.
Lembrei de um show da Maria Rita, criado pela marca Nívea, uns 12 anos atrás, chamado: "Viva Elis", onde a Maria canta a mesma música do comercial dos carros.
Fui buscar o vídeo antigo e observei a apresentação. Era a última música do repertório.
Já no início dela, dava para ver as semelhanças entre mãe e filha:

"Quero lhe contar como eu vivi
 E tudo que aconteceu comigo...
 Mas é você que ama o passado 
 E que não vê 
 Que o novo sempre vem...
 Minha dor é perceber
 Que apesar de termos feito tudo, tudo
 Tudo que fizemos
 Nós ainda somos os mesmos..."
 
Ela tinha trejeitos que lembrava muito a mãe, e fazia gestos em trechos como "As aparências não enganam não", ao dar tapinha no próprio rosto, mostrando o óbvio. 
Mas, ao terminar a canção dizendo: 
"Ainda somos os mesmos
 E vivemos como nossos pais", levantando o braço e apontando o dedo para o céu, em um gesto de trazer a mãe de volta naquele momento, me fez encher os olhos d'água, de novo.
Todo o tempo de carreira desta mulher, ela sempre falou nas entrevistas: 
"Eu não pareço com a minha mãe. 
 Eu não sou igual a ela".
Como se estivesse sempre pedindo Desculpas ao público por ser filha da Elis Regina.
Não a culpo. A pressão deve ser horrível.
Só que quanto mais ela tenta afirmar isso, mais ela parece com a mãe.
Quem nunca ouviu: "Fulano está a cara do pai, até com as mesmas manias". 
Muitas vezes, isso vai além.
E os filhos seguindo a mesma profissão dos pais e pais dos avós, e avós dos bisavós?
Dias atrás vimos a Fernanda Torres, atriz, filha de Fernanda Montenegro, atriz, e do Fernando Torres, ator, recebendo um Globo de Ouro, 25 anos após a mãe receber o mesmo prêmio.
Depois, vimos (o Brasil e o mundo) ela sendo indicada ao Oscar e indo participar da cerimônia, como a mãe, 26 anos atrás.
As duas, tão parecidas até no modo de vestir, mesmo com décadas de diferença uma da outra.
Tem coisas, que não dá para explicar.
O DNA é uma delas.
E sabe qual é o maior barato disso tudo?
Através dessa cadeia, continuaremos a existir, através de gerações e gerações de famílias...

FAMÍLIA SANTOS

"Vamos completar 50 anos de casamento neste ano".
Foi uma das primeiras coisas que Seu Homero e Dona Cleonice me contaram quando os conheci.
Quando cheguei à cidade, ele sempre me perguntava:
"Como Rio Grande está te tratando?"
A preocupação dele era com a minha adaptação e se eu estava feliz.
Coisa de pai, de avô.
Engraçado que cada vez que eu olhava para o Seu Homero, eu lembrava do Papai Smurf.
Podem rir.  
Falei isso para ele uma vez e até hoje não sei se entendeu. Kkkk
Deve ter pensado: "Agora virei desenho pra essa guria". Kkkk
Mas, a impressão que eu tinha, além da barba branquinha e o jeito alegre, era que ele tinha a característica de "líder do bando", aquele que cuida de todo mundo.
E esse "cuidar de todo mundo", começou com 6 anos de idade. Trabalhando desde cedinho. 
Ele foi babá, vendedor de jornal, engraxate. Aos 14 anos entrou para área de propaganda.
Em 1972, casou. Ele 19 anos, ela 17.
Ele se formou em Direito, mas não largou a publicidade no Grupo RBS.
Sempre amou o futebol.
Tiveram 6 filhos.
Jackson, Evandro, Marcela, Caio, Valkiria e Diego.
Com os filhos, vieram 3 noras, 2 genros, 17 netos e 1 bisneto.
Ele hoje com 72 anos, ela com 70.
Agora, dia 29 de abril já irão comemorar 53 anos de casamento.
"Passamos muita coisa, mas o desejo de manter a família sempre unida era maior.
Esse meu 'velho' é meu parceirão". Ela me disse.
Levantam cedo para tomar mate com a família.
"Não tenho tudo que quero, mas amo tudo o que tenho". Foi outra coisa que ela me disse.
Acompanhando a família, consegui reconhecer  além dos traços físicos, os de personalidade e de caráter, nos filhos e netos. 
Aquela coisa do DNA, que já falamos antes.
Recentemente, Seu Homero nos deu um susto.
Teve um infarto e um AVC isquêmico, vindo de uma complicação de saúde.
Passou por internação e cirurgias.
Felizmente, com o tempo ele vem se recuperando.
Quando o reencontrei após a saída do Hospital, ele mantinha o mesmo sorriso, aquele do "Papai Smurf".
Olhei para ele um tempo e ele continuou sorrindo, sentadinho na cadeira de rodas.
Pensei: "Será que ele lembra de mim?"
Com tudo que aconteceu, sua memória tinha sido um pouco prejudicada.
Me aproximei e conversei com ele, sem "forçar a barra".
Foi assim algumas vezes.
E sempre me perguntava se ele sabia quem eu era.
Me surpreendi, quando na última vez que os vi, ele andando devagarinho para o banheiro, se vira do nada e fala: "Mas, tu vai mesmo ir lá ver tua irmã?"
Opa! Ele lembrava de mim! Ele sabia quem era a minha família, a cidade de onde eu vinha, todas as minhas informações.
Fiquei aliviada.
Ele ainda estava lá.
Vendo uma foto de um momento importante para eles, em um porta retrato na sala da casa, fez lembrar da minha família, dos meus pais e irmãos.
E também dos meus avós e bisavós, e dos tios e tias, sobrinhos e primos.
Me fez pensar nos que já partiram e nos que vão nascer.
Lembrei de tantas outras famílias e no tanto de DNA espalhado pelo mundo afora.
Essa corrente de ligação, esse código silencioso, que absurdamente grita e vive estampado nas nossas caras, tecendo histórias nas tapeçarias das nossas vidas.

Imagem: Acervo Família Santos.
Música: Como Nossos Pais.
Autor: Belchior.

 






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