A Dança das Corvinas

 



"As docas estão cheias. Estou com esse esporão na mão, faz dias, não dá tempo de curar, de tanto descarregar as caixas".

E a conversa com o Anthony foi seguindo, com rumo certo.

"Então o vídeo que anda rolando nas mídias, da pesca, e a festa dos pescadores pelas redes cheias é aqui em Rio Grande e é verdadeiro mesmo?"

"Sim, é mesmo!".

"Vi que eles estavam retirando os peixes das redes e as Corvinas pulavam enlouquecidamente".

Nessa conversa, pensei em mim e de um texto que li, do Fernando Pessoa, muitos, muitos anos atrás, onde ele se depara com um Curriculum Vitae, que pede a descrição das experiências dele.

Nesse texto, Fernando relembra várias coisas que passou na vida, desde "raspar o fundo da panela de arroz carreteiro", até "fazer coceguinhas na barriga da irmã, só para ela parar de chorar".

Ele se depara com as linhas do currículo e se pergunta se "ser plantador de sorrisos" serve como experiência.

Bem, no meu currículo, eu não planto sorrisos. Eu acho. Mas, registro histórias de vidas.

Rio Grande, não é a primeira cidade onde moro, e nem irá ser a última. 

Já indo para o 13° destino, organizando as coisas (devolvendo livros, por exemplo, kkkk), antes de partir, eu começo com algumas reflexões sobre o lugar por onde andei e as pessoas que conheci.

É quando relembro de alguns nomes, e às vezes, até confundo os rostos ou lembro dos rostos e esqueço os nomes.

O problema de ter muitos contatos, é falar com as pessoas e depois ficar se perguntando: "Mas, quem é aquele vivente mesmo?".

Rio Grande, final de Novembro/2023, sol da pêga, meio-dia, ponto de parada de ônibus.

Cheguei correndo, porque eu vivo assim, quando ele já estava lá, esperando a namorada. Um "xóvem" (jovem), de 16 anos, super falante.

Anthony Caio Melo iniciou a conversa, estava cansado, pois tinha trabalhado até tarde nas docas. 

Família de pescador.

"E tu vai mar adentro com eles?" Perguntei.

"Não...15 à 20 dias, mar adentro é loucura".

Quando comecei esse Arquivo Digital e decidi colocar o nome de "História de Pescador", as pessoas me perguntavam: "Mas, só vai ter história sobre pescador?" 

Kkkkk. Não. Não é só sobre pesca. 

Mas, tem também. 

Fiquei um tempo sem falar com o Anthony, mas depois voltamos. 

Para minha surpresa, ele chateado fala o seguinte: "O trabalho da pesca, não é valorizado, é visto como um trabalho 'fácil' ou até mesmo de pessoas 'sem futuro'".

Por muitos anos, trabalhei com adolescentes e crianças. De vários lugares. Vindos também da China, da Alemanha, e alguns Indígenas. Não importa qual parte do mundo ou tribo eles pertençam. Grande parte deles, tem um coração sincero. Cheios de expectativas, ideias, vontade de melhorar a vida. 

O Anthony não é diferente.

Ele, ocupado, por agora além de trabalhar descarregando os peixes, ajuda a mãe na Pastelaria, me envia o seguinte áudio:

"Tenho muitas histórias de pescaria, meu pai, meu tio, todo mundo tem várias...

Agora estou ocupado, mas lá pela meia-noite, quero escrever sobre isso...

Moro na Barra. Posso ir tirar umas fotos também do meu trabalho e te enviar..."

O áudio seguiu com ele descrevendo onde ele ia ir para buscar inspiração para escrever e eu pensei:

"Meia-noite? Esse menino não dorme não?"

Dorme. Dorme sim.

Continua...

Imagem: Praia do Cassino/ Arquivo Pessoal






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