Que Te Permanece de Pé







"Vazante continua forte no acesso ao Porto de Rio Grande".

"Altura da tábua de maré neste momento..."

"Nó de vazante..."

"Vento..."

"Previsão de..."

O mês de Maio, foi o mês em que a comunidade Rio Grandina mais buscou acesso à informações marítimas, enquanto as águas das enchentes passavam pela cidade, em meio ao caos, que o Estado estava (continua) vivendo.

Áudios circulavam pelos grupos, nas mídias sociais, imagens de vídeos, fotos, tudo que fosse possível acompanhar.

Algumas informações (às vezes não verdadeiras) nos deixavam de cabelo em pé, coisa que, de forma alguma, não nos fez bem.

Vivendo no modo: Pânico. Já estava sendo absolutamente normal.

Acho que não houve um gaúcho que tenha conseguido ter noites inteiras de sono.

E houve aqueles que, preocupados com o bem estar da população, passavam seu conhecimento com calma, paciência,  acessibilidade, muitas vezes dando dicas do que fazer, como vedar portas e ralos, para a água não subir ou transmitindo lives com o pessoal da Catavento Meteorologia.

Rudimar Cruz Machado e Everaldo Schaun são dois nomes que são reconhecidos nesta comunidade hoje, devido ao serviço prestado com tanta dedicação.

Atualizações dadas pela manhã, tarde, noite, madrugada, com chuva, vento, misturado com calma e doses de apreensão, todos os sentimentos possíveis, às vezes no horário de trabalho mesmo, tudo pelo bem estar das pessoas.

Neste tempo, eu vivendo meu "Pequeno Terror Pessoal" nas estradas do Estado, com minha mochila de emergência e plano de fuga (eu tinha isso mesmo), com cenários de guerra pelo caminho, medo, vários lugares sem sinal de telefone e internet, me vi socorrida, com as informações desses homens, que muitas vezes, me trouxeram calmaria e com isso, pude acalmar outras pessoas também.

Duas perguntas tem me acompanhado todo esse tempo de tragédia estadual: "Se eu tivesse 30 segundos apenas, para salvar o que é mais importante na minha vida, o que eu salvaria?"

A segunda, veio depois de assistir um dos vídeos deles, da vista de cima da cidade de Rio Grande, uma imagem linda, onde dava para ter um panorama total de tudo, do que parecia calmo e restabelecido, após tantas perdas: 

"O que te permanece de pé?"

Essa foi uma das minhas perguntas na conversa com o Rudimar. 

"Permanecer" é um pouco diferente de Estar, Ficar, Fazer.

Algumas definições dizem: "Continuar sendo, Prosseguir existindo, Conservar-se, Insistir com pertinácia, Persistir".

Nesses dias que passaram, no meio de um turbilhão de coisas que aconteciam ao mesmo tempo, vi um vídeo dele, entrando no carro e fazendo um desabafo. Não entendi muito bem o que estava acontecendo, mas vi que ele estava chateado.

Pensei: "Será que ele vai parar de passar as informações?" Fiquei preocupada.

Felizmente não, apesar de, ele continuou e continua com as atualizações todos os dias.

E eu me perguntei novamente: "O que te  permanece de pé?"

Me relatando a história de vida dele, com gripe e tudo, pude entender o motivo de "Permanecer de pé". A quantidade de pessoas beneficiadas com tudo o que fez e tem efeito. E nos momentos críticos...ele permaneceu lá. 


Rudimar Cruz Machado, 51 anos, Ordenador da Defesa Civil, Vigia Portuário e outros tantos trabalhos realizados.


"Entrei em 1994 no Porto, já faz 30 anos, com o curso de Vigia Portuário, de Porto Alegre, da SPH.

Trabalhei na Defesa Civil de 2021 à 2023, como Ordenador, da cidade de Rio Grande e fui considerado pelo Estado, um dos melhores gestores, na Defesa e no Atendimento.

Criamos vários processos lá dentro, na qual fomos considerados o melhor do Estado, por 2 anos consecutivos, na minha gestão. Melhoramos procedimentos, processos. Trouxemos em torno de R$ 5 milhões via Defesa, para a cidade. Temos uma Sede e montamos a Sala de Gestão de Risco e Gerenciamento de Desastre, com centrais meteorológicas, a primeira do Estado.

Fui também o primeiro Presidente Fundador do Grupo Esquadrão da Vida Drogas Fora, uma comunidade terapêutica que salva pessoas gratuitamente, sem cobrar internação. Foi em 2005 que começamos o processo e em 2008 foi montada. Tem mais de 15 anos, salvando pessoas.

Saí da Defesa Civil, mas continuei com o vínculo, pois trabalhei muito e devido aos procedimentos que criei, com plano de ação e contingência, para ajudar diretamente as pessoas nos eventos climáticos adversos, desastres climatológicos e hidrológicos, e dentro deste momento que sofremos agora, com enchentes e inundações.

Vi muitas pessoas assustadas no meu meio, com a perda de mais de 160 vidas. Ainda tem aqueles que estão desaparecidos. O número pode ultrapassar, com certeza. Milhares de casas se perderam.

Aqui, a Ilha do Torotama desapareceu.

Muitas regiões ainda estão alagadas, ainda existem residências com água. 

Com as pessoas preocupadas nas redes, eu resolvi fazer minha parte como cidadão compartilhando o pouco conhecimento que tenho na área portuária, um pouco das coisas que estudei, os cursos que fiz com a Defesa Civil, as Qualificações Nacionais e Internacionais.

Trabalhando no navio, comecei a fazer vídeos para as pessoas, pois vi que ninguém estava mostrando a realidade, pois só mostravam as cheias, as águas entrando, as inundações.

Pensei comigo mesmo e decidi mostrar que ela estava saindo.

A água vindo do Lago Guaíba, descendo pela Lagoa dos Patos, enchendo tudo, ninguém estava vendo que ela estava saindo direto na Barra.

Comecei a mostrar a vazante.

O pessoal da meteorologia mostrava que a água estava represando. Ela represava, mas a vazante continuava.

Em um dos vídeos, mostrei que o vento estava Sul, 30/45 km/h represando, mas a vazante também estava forte, devido à quantidade enorme de água que estava descendo.

Sempre digo: 'Era guerra do Mar contra a Lagoa e ganhou a Lagoa, mesmo com o represamento muito forte do vento Sul, igual continuou vazando muito. Ela diminuiu  durante à noite, mas continuava com um fluxo bem grande, saindo para o Oceano Atlântico'.

Isso eu mostrava, sem fazer terrorismo, de forma bem pacífica e com explicações que as pessoas pudessem entender.

Dessa forma, começou a acalentar um pouco o coração das pessoas e mostrar  que a água estava saindo. Foi muito importante fazer isso, mesmo no meu horário de trabalho e diariamente.

Não foi só a cidade de Rio Grande, mas outros municípios do Rio Grande do Sul, começaram a me seguir e dizer: 'Graças à Deus, tem uma pessoa hoje no Estado que está mostrando a água saindo!'

Houve dezenas de relatos e mensagens no meu telefone de pessoas agradecendo: 'Agora eu consigo dormir, depois que eu vejo tu falar, pois tu acalma o nosso coração'.

Isso foi muito importante para mim. O melhor pagamento que eu podia receber na minha vida. 

Ajudar o Estado através dos meus vídeos. Um deles teve mais de 240 mil visualizações, passei a ter mais de 1 milhão e meio de pessoas nas minhas redes, foi até assustador. Mas, era importante mostrar a verdade da cidade, em termos de vazante no canal de acesso, pois passava tudo por nós.

Infelizmente, vi também a parte ruim, com as perdas e as mortes dos animais.

Esse foi meu trabalho, informando também sobre o tempo, passando todas as informações com a verdadeira realidade, não com pânico e sim uma realidade que a água nunca parou de vazar.

Vazava milhões e milhões de metros cúbicos, durante a semana.

Foi primordial acalmar as pessoas, algumas com depressão, achando que Rio Grande ia desaparecer, incluindo a parte Sul.

Recebi mensagens de Arambaré, Tapes, Litoral Norte, Porto Alegre, Vale do Taquari, São Paulo e do Exterior, devido aos meus vídeos, pessoas preocupadas com familiares aqui no Rio Grande do Sul.

Mensagens agradecendo por mostrar tudo com tranquilidade, serenidade, veracidade, mostrando para as pessoas terem esperança e fé que as coisas iriam passar".

Áudio e Imagens: Acervo Pessoal Rudimar Cruz/ Everaldo Schaun.

Trecho:

 

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